RADAR DA IMPRENSA |

Mercedes Baptista nos palcos da imprensa

As homenagens para Mercedes Baptista divulgadas pela imprensa brasileira evidenciam a invisibilização de sua trajetória na história da dança no Brasil

Mercedes Baptista. Fonte: Arquivo Nacional/Correio da Manhã. s.d.

Mercedes Baptista (1921–2014) nasceu na cidade de Campos dos Goytacazes, no Rio de Janeiro. Em 1945, dedicou-se a aprender dança com Eros Volúsia (1914–2004), sendo aprovada, três anos depois, para compor o Corpo de Baile do Theatro Municipal do Rio, ingressando como a primeira bailarina negra. Ela permaneceu como professora na instituição até a sua aposentadoria. Em sua trajetória, participou como bailarina e coreógrafa do Teatro Experimental do Negro (TEN), fundado pelo dramaturgo Abdias do Nascimento (1914–2011). Mercedes foi bolsista na Dunham School of Dance, em Nova Iorque (EUA), compartilhando experiências com Katherine Dunham (19092006) e com outros bailarinos negros para a preservação e a difusão da cultura negra diaspórica.

Paralela às atividades no teatro, Mercedes desenvolveu pesquisas sobre várias manifestações autenticamente brasileiras e aprimorou as técnicas de dança clássica, popular e dos rituais religiosos afro-brasileiros, criando o Ballet Folclórico, em 1953, visando reformular os rumos da dança no Brasil. O Ballet Folclórico de Mercedes Baptista se apresentou em vários espaços culturais do país e internacionais. Baptista tornou-se uma autoridade na dança folclórica, influenciada pelas raízes africanas, e dedicou 45 anos de sua vida à dança. Apesar de realizar o sonho de ser famosa, ela não conseguiu se estabilizar financeiramente com a profissão, que conciliou com o emprego público. 

A seção Radar da Imprensa analisou como a trajetória de Mercedes Baptista circulou no debate público através da imprensa. O mapeamento foi realizado tendo como recorte o último mês, no qual foram analisadas seis notícias de jornais brasileiros, entre os dias 30 de outubro e 11 de novembro. Os jornais que publicaram notícias sobre Mercedes Baptista são da região Sudeste, o que demonstra uma concentração geográfica limitada, ao mesmo tempo que pode revelar o apagamento de sua memória, a falta de valorização e desconhecimento de sua trajetória em outras regiões do país. Para a produção desse texto tivemos que ampliar o alcance do radar de semanal para mensal, devido ao reduzido número de notícias sobre a bailarina.

A caminhada para os palcos

Às vésperas das comemorações do Novembro Negro, mês que celebra a efeméride nacional da Consciência Negra, no dia 20, que é uma alusão à morte de Zumbi dos Palmares (1655–1695), líder do Quilombo dos Palmares, a imprensa brasileira não publicou nenhuma matéria dedicada à Mercedes Baptista. As homenagens ao povo negro e a luta antirracista tem que ser uma prática diária. Mesmo assim, no ímpeto dessas comemorações, Mercedes Baptista foi citada nas notícias mapeadas de forma secundária, sem o devido protagonismo que merece.

De pés no chão, a caminhada formativa ao Circuito da Herança Africana, no Rio de Janeiro, no dia 10, promovida pela Secretaria Municipal de Educação e Inovação de Pinheiral (RJ), teve como objetivo difundir uma memória a respeito das trajetórias de personagens e de locais importantes para a história e a cultura afro-brasileiras, buscando um impacto simbólico e emocional por meio da educação patrimonial na formação dos profissionais que participaram. A imersão cultural incorpora a memória de Mercedes Baptista através de seu monumento – inaugurado no dia 16 de outubro de 2016, no Largo São Francisco da Prainha, bairro da Saúde – apresentando sua trajetória e seu valor histórico para a história brasileira, principalmente na incorporação dos elementos dessa cultura negra na dança. Para celebrar os desafios dessa personagem em busca do  reconhecimento internacional, destacou-se a resistência do povo negro.

Depois da caminhada, o nome de Mercedes Baptista foi lembrado nos palcos, em duas peças de teatro e em um festival de música. O espetáculo de dança Arquivo Negro – passos largos em caminhos estreitos, organizado pela Cia Pé no Mundo, trás para o palco personalidades negras que contribuíram para a história e a cultura brasileiras, sendo uma delas Mercedes Baptista. O espetáculo que foi apresentado no Centro Cultural SESI de São José dos Campos (SP), entre os dias 7 e 9, teve como um dos objetivos destacar a importância da pesquisa em arquivos históricos para que o público pudesse conhecer a história e a cultura afro-brasileiras que não é contada. A iniciativa rompe com as amarras de uma história eurocêntrica para trazer à cena a história do povo negro, destacando que a população negra no país não descende de escravizados, mas de africanos, filhos da diáspora e protagonistas de sua própria história.

A segunda peça é Ruth & Léa, dirigida pelo roteirista carioca Luiz Antonio Pilar. O espetáculo traz para o palco a trajetória de atrizes pioneiras na arte negra brasileira, Ruth de Souza (1921–2019) e Léa Garcia (1933–2023), interpretadas por Bárbara Reis e Ivy Souza, e continua em cartaz. Ela já foi apresentada no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte (BH), e, atualmente, está em cartaz no Sesc Pompeia, em São Paulo (SP). Mercedes é lembrada no espetáculo, juntamente a outras figuras importantes para a cultura afro-brasileira. Ao perpassar pela cena teatral preta da época, falando dos pioneiros no teatro e na dança, o espetáculo reflete sobre a mensagem de que a união do povo negro é crucial para moldar o futuro.

Mercedes também será uma das homenageadas na terceira edição do In-Edit Brasil – Festival Internacional do Documentário Musical, em São Luís do Paraitinga, em São Paulo, que ocorrerá entre os dias 20 e 23. O documentário Brasiliana – O Musical Negro Que apresentou O Brasil Ao Mundo será apresentado no decorrer do festival, exibindo o musical brasileiro que se apresentou para mais de 30 países ao redor do mundo. Mercedes foi uma das estrelas presentes no espetáculo que originou o documentário, e mesmo não sendo o tema central, parte de seu legado foi rememorado, e junto com ele o destaque para a internacionalização da cultura afro-brasileira.

Dos palcos à caminhada da vida

Mercedes Baptista no seu balé folclórico. Fonte: Arquivo Nacional. 1950. [Wikimedia Commons].

Ao trazer Mercedes Baptista de forma secundária, as notícias contribuem com o desconhecimento de seu legado, e, para além de um perfil profissional, há a história de uma mulher negra numa sociedade patriarcal e racista e os embates travados por ela entre a vida e o palco. O silenciamento sobre essa trajetória pela imprensa não é um fato isolado, mas parte de sua invisibilização e do apagamento histórico sistematizado das trajetórias de pessoas negras pelas instituições do Estado. 

Na matéria do jornal Panorama Mercantil sobre a trajetória do artista e comediante Jorge Lafond (1952–2003), que mesmo nas dificuldades da vida não descansou em paz com o desaparecimento de seus restos mortais, ao falar de sua formação em balé clássico e dança africana como artista técnico e refinado, menciona que ele trabalhou com Mercedes Baptista. Nessa matéria há um total esquecimento sobre sua trajetória. A bailarina ensinou e influenciou diversas pessoas, e seu legado para a dança é lembrado por vários pesquisadores, o que não ocorreu no debate público promovido pela imprensa brasileira.

O palco é um espaço de onde a bailarina se ergue do chão e voa alto levando a história e a cultura de sua comunidade para o mundo, preservando e difundindo sua ancestralidade. O palco também é o momento em que além da representação de realidades, pode-se vislumbrar a beleza da bailarina. Vestida à caráter com roupas e cores, ela maquia as dores, o suor da vida, o racismo sofrido, e a realidade de uma mulher negra que tem que lutar por seus objetivos para dar sempre o seu melhor e ter seu valor questionado a partir das práticas que a excluem. Com o dinheiro que ganhou conseguiu pagar as roupas, a maquiagem e as viagens para os eventos que participou. Às vezes, a bailarina para no palco no meio da cena, inerte, como a estátua de Mercedes Baptista, pois o reconhecimento de um legado não é garantia de que viverá dignamente no país que vende diariamente a ideia encapsulada (Made in Brazil) de democracia racial.

Referências

Matérias de jornais consultadas

ARAUJO, Thatiane. Equipe da Secretaria de Educaçãoe Inovação de Pinheiral visita o Circuito da Herança Africana. Tribuna dos Municípios, Rio de Janeiro, 10 nov. 2025. Disponível em: https://tribunadosmunicipios.com.br/equipe-da-secretaria-de-educacao-e-inovacao-de-pinheiral-visita-o-circuito-da-heranca-africana/?utm_source=web-stories-generator. Acesso em: 11 nov. 2025.

Bárbara Reis e Ivy Souza celebram Ruth de Souza e Léa Garcia no Sesc Pompeia. CHNews, 6 nov. 2025. Disponível em: https://www.chnews.com.br/barbara-reis-e-ivy-souza-celebram-ruth-de-souza-e-lea-garcia-no-sesc-pompeia/. Acesso em: 11 nov. 2025.

FONSECA, Eder. Jorge Lafond: mestria numa vida breve. Panorama Mercantil, 8 nov. 2025. Disponível em: https://panoramamercantil.com.br/jorge-lafond-mestria-numa-vida-breve/. Acesso em: 11 de nov. 2025.

ROMANO, Yves. SESI São José dos Campos recebe o espetáculo de dança de sexta a domingo. TH+PORTAL, São Paulo, 6 nov. 2025. Disponível em: https://thmais.com.br/cidades/vale/sesi-sao-jose-dos-campos-recebe-o-espetaculo-de-danca-de-sexta-a-domingo/. Acesso em: 11 nov. 2025.

Ruth & Léa estreia no Sesc Pompeia. Arteview, São Paulo, 11 nov. 2025. Disponível em: https://www.arteview.com.br/2025/11/ruth-lea-estreia-no-sesc-pompeia/. Acesso em: 11 nov. 2025

São Luiz do Paraitinga se transforma empalco da música documentada. AGORA VALE, São Paulo, 30 out. 2025. Disponível em: https://agoravale.com.br/noticias/Musica/sao-luiz-do-paraitinga-se-transforma-em-palco-da-musica-documentada. Acesso em: 11 nov. 2025.

 

Outras referências

ALMEIDA, Silvio Luiz de. Racismo estrutural. São Paulo: Sueli Carneiro; Editora Jandaíra, 2020.

MERCEDES BAPTISTA O RITUAL RELIGIOSO TRANSFORMADO EM BALÉ. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, ano 87, n. 105, p. 31, 22 jul. 1977. Disponível em: http://memoria.bn.gov.br/DocReader/030015_09/101954. Acesso em: 10 fev. 2025.

Mercedes Tem o Ritmo Nas Veias… Por Isso Tornou-se Bailarina. A Noite, Rio de Janeiro, ano 50, n. 15 907, p. 10, 13 dez. 1961. Disponível em: http://memoria.bn.gov.br/DocReader/348970_06/4015. Acesso em: 29 jan. 2025.

NEVES, Ana Luiza Izidio Barbosa das. O corpo monumento de Mercedes Baptista. História Editorial, v. 1, n. 1, 3 dez. 2024. DOI: https://doi.org/10.5281/zenodo.14263172. Disponível em: https://historiaeditorial.com.br/o-corpo-monumento-de-mercedes-baptista. Acesso em: 13 nov. 2025.

Servidor lota Banerj em busca de parcela do 13º. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, n. 137, ano 107, p. 24, 23 ago. 1997. Disponível em: http://memoria.bn.gov.br/DocReader/030015_11/305032. Acesso em: 19 fev. 2025.

Como citar esta matéria

SILVA, Karen Rebeca de Souza e. Mercedes Baptista nos palcos da imprensa. História Editorial, 17 nov. 2025. (Radar da Imprensa). Disponível em: https://historiaeditorial.com.br/mercedes-baptista-nos-palcos-da-imprensa. Acesso em: 17 nov. 2025.

Karen Rebeca de Souza e Silva​

Estudante do curso de História pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Seus interesses de pesquisa incluem História da Ásia, com enfoque no Japão, e estudos de gênero a partir de História em Quadrinhos (HQs). É membra do Observatório da Ásia da UFRN.

*Matéria produzida sob a supervisão da Profa. Dra. Tatiane Oliveira (USP), como parte das atividades do programa Editor Aprendiz.

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